Capítulo 2

A JUVENTUDE NA HISTÓRIA








“Dessa juventude serei vivente,
A alma eterna da vida, a minha prece,
Que de sonho e conquistas enriquece,
O ontem, o hoje, o amanhã e eternamente”
                (Extraído do Poema “Soneto de juventude”
                        de Dairi José Antônio Duarte Cordeiros – BA)



2.1 – Um tema pouco explorado e complexo


O tema juventude, na história, sempre foi pouco explorado, e poderíamos ainda afirmar que é pouco desejado e por outras vezes considerado muito complexo.
            A visão do que este segmento da sociedade representa deixa muitos estudiosos confusos porque a juventude é a figura do novo, do questionamento, da desordem, da rebeldia, do imprevisível e as sociedades temem tudo que é novo e imprevisível. Uma das maiores expressões contra essa “figura da desordem” é o que se chamou, a partir da Revolução Industrial, de “moratória social”, em suas diferentes expressões (serviço militar, decretos legais e internatos).
            É um assunto, também, pouco desejado porque a afirmação de uma nova “personalidade” que quer ser ouvida e atendida, que tem argumentos, que quer assumir sua vida do jeito dele, não interessa.
            Em terceiro lugar, é um assunto muito complexo porque a juventude, além de outros aspectos que criam nela, neste segmento, nesta categoria, grandes diferenças, ela é uma realidade cronológica, psicológica, social, cultural, política e jurídica.
            Como resultado, podemos destacar que não se estuda à fundo o tema juventude na história; sobretudo, reconhecendo o crescimento progressivo do “protagonismo juvenil”.  Importante, então, refletirmos um pouco sobre a história a partir do olhar juvenil.


2.2 – A presença da juventude na história da humanidade

Lendo a realidade dos jovens no mundo relatada nos escritos bíblicos é importante identificarmos quais as figuras que encarnam os valores apresentados. Veja-se Moisés, José do Egito, Rute, Ester, Daniel, Tobias e muitos outros.
Merece destaque também que Alexandre, o grande conquistador do império grego conquistou aquelas nações todas aos 20 anos.
            No Império Romano já existiam os “Príncipes da Juventude”, com uma deusa chamada “Iuventas”, a própria Roma foi fundada por dois jovens (Rômulo e Remo), e nela já eram reais as “gangues” que quase mataram a Nero.
Observemos o modo como Jesus de Nazaré se relacionou com os jovens, chamando-os – na conjuntura opressora que viviam - a que se “levantem” e que ele mesmo, como filho de Deus, deu sua vida na plenitude de sua juventude.
Importante lembrar figuras como Joana d´Arc, que aos 17 anos enfrenta os exércitos ingleses, invadindo a França. Outro exemplo, o da “revolução” na Igreja e na Sociedade, feita por Francisco de Assis, ainda jovem.
Nos séculos 16 e 17 – época de mudança de paradigma – a sociedade recorre aos jovens para cuidar da “disciplina” e da “moral”.
Na Revolução Industrial, que trouxe a mudança do sistema feudal para o sistema capitalista, quem inicia um protesto inusitado e não compreendido são os jovens, onde até o exército teve que intervir para acalmar essa onda de energia que desejava novos espaços. Alguns movimentos que ficaram na história são “Sturm und Drang” e “Wandervogel”, na Alemanha; associações na França com a juventude dourada e queimada; revoltas nos colégios, aumento da força policial, as milhares de Congregações Religiosas começando a dizer que seu carisma é o trabalho com os jovens. Nessa época a sociedade não conseguiu mais silenciar a realidade da juventude que sempre existiu, entretanto sem condições de o jovem se afirmar com a força que lhe desse cidadania.
Entre as décadas de 20 e 30 surgem as organizações juvenis soviética komsonol, fundada na década de 1920, e os “Scouts na década de 30. Um tempo depois, surgiam outras realidades. Referimo-nos à “Hitler Jugend” Juventudes Hitleristas (na Alemanha), com milhões de adeptos (5 milhões e 400 mil em 1936); a juventude fascista na Itália (com 8 milhões e 830 mil jovens organizados em torno da “Gioventu del Littorio”), os falangistas na Espanha e a Mocidade Portuguesa controlada pela ditadura de Salazar, produtos dos anos 1930.
Até a Igreja entrou nesta jogada com a fundação, em 1930, da Ação Católica.
30 anos depois, a juventude começa a dar respostas, diferenciando-se das manipulações exercidas anteriormente. Tudo começa mais sistematicamente com a atitude dos “rebeldes sem causa” e da juventude transviada, especialmente nos Estados Unidos. A expressão máxima se deu, em 1968, em todo mundo, a partir do movimento estudantil e universitário.
Na França, na Europa, em todos os continentes, a movimentação juvenil é conhecida como “Maio de 1968”.  Milhares de jovens são mortos em toda parte. Um caso dramático e vergonhoso se deu no México, na “Plaza de Tatlelolco”, em plena preparação às Olimpíadas a se realizarem naquele país. Os jovens não estavam contentes nem com a educação nem com a Universidade nem com o mundo que os adultos lhe apresentavam. Outra fonte de descontentamento é a Guerra do Vietnam, nos anos 70. Não se aceitam as pressões morais porque os tempos são outros e surge o fenômeno de grandes concentrações como de Woodstock, as manifestações musicais dos “hippies” e tantas outras realidades que já conhecemos melhor. É também nas décadas de 60 e 70 que surgem várias revoluções e guerras pelo mundo (em especial nos países do chamado terceiro mundo) e em grande parte delas os jovens figuram como elementos centrais desses embates como foi no caso da Revolução Cubana.

2.3 – A participação da juventude num contexto mais recente

A partir dos anos de 1980, num contexto de sociedade de massas, de revolução das comunicações e do império das indústrias culturais, parte dos jovens se vê crescentemente marginalizada dos processos de mudança estrutural da sociedade, passando a constituir grupos em transição que não têm muito claro o que querem e nem aonde vão. Outros participam ativamente nos processos acelerados de mudança vivida pela sociedade.
            Como resultado das novas tensões, frustrações, ansiedades e contradições da juventude contemporânea, começa a se esboçar uma sociabilidade marcada por uma tipificação nova: a neo-tribalização. A neo-tribalização respondia a um fenômeno complexo e de crescente expressividade, já que se apresentava como resposta social e simbólica, frente à excessiva racionalidade burocrática, ao isolamento individual urbano e à frieza de uma sociedade profundamente competitiva. Adolescentes e jovens pareciam sentir, nas tribos, a possibilidade de encontrar uma nova via de expressão, uma maneira de distanciar-se da “normalidade” que não os satisfazia e, além disso, a ocasião de intensificar suas vivências pessoais e encontrar um núcleo gratificante de afetividade.
            Não há dúvida de que a análise das “tribos urbanas” de Michel Maffesoli contribuiu muito para uma frutífera revisão da literatura sobre o tema “juventude”. Em O tempo das tribos preocupou-se em analisar o comportamento dos jovens urbanos na ótica do nomadismo, do consumo, dos novos formatos associativos e afetivos e a fragmentação social. O eixo central era demonstrar que os micro-grupos emergentes de jovens tomavam a forma de comunidades emocionais onde o valor do afetivo e do “estar junto”, a valorização do corpo e os laços de proximidade primários conduziam não mais a um princípio individualista do social, mas a uma produção cultural de grande complexidade. Neste emaranhado de sociabilidades emergentes, Maffesoli chama a atenção para o caráter efêmero destes laços associativos ou neo-tribais, sua fluidez e flexibilidade, a forte carga local de seu desenvolvimento e o escasso formato organizacional segundo critérios onde o fator político é um componente aglutinador privilegiado das sociabilidades.
            Justamente aqui é onde o sociólogo francês realiza uma separação conceitual de grande interesse para compreender as dinâmicas de sociabilidade da juventude: por um lado, uma interação política, projetiva, racionalizada, individualista; por outro, uma identificação estética, emocional, não direcionada, que se satisfaz em viver o dia-a-dia, no simples prazer de “viver com outros”. Este renovado “carpe diem” tende à indistinção, à aparência, à indiferença para com os “grandes temas” da agenda política, a um “estar junto antropológico” que levanta o estético como fundamento-substituto de um princípio político de sociabilidade.
            Os anos 90 iniciam-se sob os efeitos da queda do muro de Berlim, em 1989, estabelecendo uma nova época. Um dos aspectos dessa “nova época” é a mudança que se deu de um mundo (da razão, da articulação, da organização, da utopia...) para um mundo no qual quem comanda é o corpo, a estética, a busca do prazer, o valor da arte e da aparência. Não estamos mais nas mobilizações políticas e religiosas dos anos 60, nas mobilizações sociais de 80, nem no tempo da guerrilha urbana e rural ou das marchas enormes de 1969 e 1985. A emergência de novos valores na juventude já está presente, mas precisa ser entendida, ainda, tanto por eles - os jovens – como pelos adultos. Uma das manifestações mais significativas deu-se na Europa em 2004 e 2005 com os adolescentes pondo a periferia em chamas, não matando ninguém, mas queimando milhares de automóveis. Para eles o grande grito é que a felicidade não anda sobre quatro rodas. Eles querem outro sistema.

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