Capítulo 3

A HISTÓRIA DA JUVENTUDE NO BRASIL

          
  
“Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não...”
“Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição...”
                                   (Geraldo Vandré)


3.1- Desde o século XVII

De modo geral, os estudos sobre a juventude no Brasil destacam preferencialmente as manifestações a partir da década de 1950 em diante. Em cada uma delas, a juventude aparece caracterizada de uma forma. Na década de 1950 — chamada de  anos dourados” — a juventude ficou conhecida como “rebeldes sem causa” ou “juventude transviada”; na década de 1960 — “os anos rebeldes” —  é tida como revolucionária; na década de 1990, fala-se de uma “geração shopping center”.
No entanto, encontramos registros de formas organizativas da juventude que contam já a partir do século XVII, que destacamos a seguir na ordem cronológica:
1710 - Quando mais de mil soldados franceses invadiram o Rio de Janeiro, uma multidão de jovens estudantes de conventos e colégios religiosos enfrentou os invasores, vencendo-os e expulsando-os.
1786 - Doze estudantes brasileiros residentes no exterior fundaram um clube secreto para lutar pela Independência do Brasil. Alguns estudantes desempenharam papel fundamental para o acontecimento da Inconfidência Mineira.
1827 - Foi fundada a primeira faculdade brasileira, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Este foi o primeiro passo para o desenvolvimento do movimento estudantil, que logo integrou as campanhas pela Abolição da Escravatura e pela Proclamação da República.
            1897 - Estudantes da Faculdade de Direito da Bahia divulgaram, através de um documento escrito, as atrocidades ocorridas em Canudos (PE).

3.2 – O Início do Século XIX

1901 - Fundação da Federação de Estudantes Brasileiros, que iniciou o processo de organização dos estudantes em entidades representativas.
1914 - Estudantes tiveram participação significativa na Campanha Civilista de Rui Barbosa ocorrida em meados do século XX, e na Campanha Nacionalista de Olavo Bilac, promovida durante a 1ª Guerra Mundial.
1932 - A morte de quatro estudantes (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) inspirou a revolta que eclodiu na insurreição de São Paulo contra o Governo Central (Revolução Constitucionalista).
1937 - Criação da União Nacional dos Estudantes (UNE), a entidade brasileira representativa dos estudantes universitários.
No período de 1930 a 1940, notamos também uma presença significativa da Igreja no meio da juventude, sob o signo da Ação Católica. Até então, sobressaiam-se as Congregações Marianas, as Associações Cristãs de Moças, Filhos de Maria, Legionários de Maria, etc.
A Ação Católica marcou a Igreja em todo o mundo por quatro décadas, de 1930 a fins de 1960. Originalmente como forma de aglutinar os leigos católicos, para campanhas contra o materialismo consumista do capitalismo, contra o materialismo ateu do comunismo e contra os totalitarismos de direita (Nazismo, Fascismo) aos poucos transformou-se no grande veículo de participação dos leigos na vida intra-eclesial (dentro da Igreja). A história da Ação Católica pode ser dividida em dois grandes períodos: Ação Católica Geral e Ação Católica Especializada.
A Ação Católica Geral tem inicio com o movimento Juventude Feminina Católica (JFC), em 1932. A partir da experiência da JFC, articulam-se a Juventude Católica Brasileira (para rapazes), os Homens da Ação Católica (HAC) e a Liga Feminina da Ação Católica (LFAC) que agrupados e regidos por um estatuto, aprovado em 1935, formavam a Ação Católica Brasileira (ACB).
A partir de 1950, começa a fase de especialização do movimento que, anteriormente baseado na distinção do sexo e idade, passa a assumir outro padrão, tendo como referencial o espaço de atuação. Como conseqüência deste processo surgem os movimentos intitulados: Juventude Agrária Católica (JAC); Juventude Estudantil Católica (JEC); Juventude Independente Católica (JIC); Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC).
1952 - Primeiro Congresso Interamericano de Estudantes, no qual se organizou a campanha pela criação da Petrobrás – “O Petróleo é Nosso”.

3.3 – Década de 60, a “Juventude Rebelde”

1963/64 - Os estudantes foram responsáveis por um dos mais importantes momentos de agitação cultural da história do país. Era a época do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, que produziu filmes, peças de teatro, músicas, livros e teve uma influência, que perdura até os dias de hoje, sobre toda uma geração.
1964 - Entre 31 de março e 1º de abril, o Golpe Militar derrubou o presidente João Goulart. A partir daí foi instituída a ditadura militar no Brasil, cuja marca principal foi a eliminação progressiva das liberdades públicas, sendo colocado em prática a perseguição e repressão aos setores populares e de esquerda, expressada na censura, prisões, torturas e assassinatos, além do fechamento dos espaços democráticos de participação, encerrando um período de liberdade política como nunca havia existido no Brasil até então.
O Golpe de 64 foi apoiado por parte de setores conservadores da sociedade brasileira - notadamente as Forças Armadas, a sociedade civil (em especial a classe média, empresários, banqueiros e latifundiários) e o alto clero da Igreja Católica, apoiados fortemente pela potência dominante da época, os Estados Unidos da América – sob o pretexto de que o Brasil viria a se transformar em uma ditadura socialista similar à praticada em Cuba, após o anúncio das chamadas reformas de base (Plano Trienal) do governo de João Goulart, as quais incluíam a reforma agrária e a reforma urbana, que trariam mudanças benéficas para os setores mais pobres da sociedade, como os trabalhadores rurais e urbanos, e perdas de privilégios e vantagens para as classes dominantes e oligárquicas.
Pouco de mais de um ano após o Golpe, os militares através do AI-2 de 27 de outubro de 1965, determinam a extinção do pluripartidarismo, extinguindo todos os partidos existentes e permitindo a existência apenas de dois partidos a ARENA (que representava os setores aliados aos militares) e o MDB (que abrigava os opositores moderados ao regime militar).
No decorrer do período, surgiram várias formas de resistência à ação repressora do regime nos planos político, sindical e cultural.
            No plano político-parlamentar, vários deputados e senadores perderam os seus mandatos por desferir críticas duras e corajosas ao regime recém-instalado. Vários grupos de oposição desistiram de combater os golpistas por meio de palavras e resolveram organizar movimentos guerrilheiros para tirar os militares do poder pela força das armas.
O movimento operário também tentou reagir às restrições das ações sindicais e ao arrocho salarial imposto pelos militares por meio de greves em 1968, em Osasco (SP) e em Contagem (MG).
No plano da cultura, foram inúmeras as manifestações de resistência. A primeira ocorreu em dezembro de 1964, com o "Opinião". Mistura de show musical e teatro, por meio de denúncias e de músicas de protesto, ele buscava sensibilizar o público a se engajar na luta contra o regime militar.
            Os festivais da canção organizados pela TV Excelsior de São Paulo em 1965, em 1966, em 1967 e em 1968 foram uma grande oportunidade para que cantores e compositores manifestassem sua oposição ao regime militar devido ao enorme alcance que essas apresentações tinham entre os jovens.
             O ambiente político que vigorava no país na época exercia influência direta na preferência do público e dos jurados. Isso ficou evidente, por exemplo, em 1966, com as músicas "A Banda", de Chico Buarque, e "Disparada", de Geraldo Vandré, e em 1968, com "Sabiá", de Chico Buarque e Tom Jobim, e "Pra não dizer que não falei das flores” mais conhecida como “Caminhando", também de Geraldo Vandré.
             Em graus diferenciados, de maneira explícita ou sutil, todas elas criticavam aspectos do sistema opressivo que imperava no país. A preferência do público por músicas de protesto de conteúdo mais explícito, como "Caminhando", deu origem a uma rica discussão cultural e estética.
Os jovens (especialmente estudantes) formavam parte da resistência contra o regime militar, expressando-se por meio de jornais clandestinos, músicas e manifestações, apesar da intensa repressão. Muitos desses jovens ingressaram nos diversos movimentos guerrilheiros que surgiram como forma de contraposição à violência do regime. Estes jovens, os principais adeptos da guerrilha foram os jovens da classe média, recém-saídos da universidade.
O perfil do guerrilheiro era mais ou menos assim: homem, jovem (entre 20 e 30 anos), classe média e intelectualizado. Esses jovens estavam extremamente empolgados com o que acontecia no cenário internacional _ da Revolução Cubana às Barricadas de Paris, em maio de 1968, passando pela Primavera de Praga, pelas manifestações no México e pela oposição da sociedade norte-americana à guerra do Vietnã.
Podemos afirmar que foi um período em que ser jovem ou então estudante, artista, intelectual ou sindicalista era o mesmo que ser suspeito de integrar grupos de oposição aos militares, e eram imediatamente taxados de “comunistas”, “subversivos” ou “terroristas”.
1968 - Em março, morre o estudante Edson Luís, assassinado por policiais no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. No congresso da UNE, em Ibiúna, os estudantes reuniram-se para discutir alternativas à ditadura militar. Houve invasão da polícia, muitos estudantes foram presos, mortos ou desapareceram, evidenciando a repressão e a restrição à liberdade de expressão que eram características desse período.
Em junho deste ano ocorre a passeata dos Cem Mil, que reuniu artistas, estudantes, jornalistas e a população em geral, em manifesto contra os abusos dos militares.
Durante o governo de Arthur da Costa e Silva - 15 de março de 1967 a 31 de agosto de 1969 - o país conheceu o mais cruel de seus Atos Institucionais. O Ato Institucional Nº 5, ou simplesmente AI 5, que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968, era o mais abrangente e autoritário de todos os outros atos institucionais, e na prática revogou os dispositivos constitucionais de 67, além de reforçar os poderes discricionários do regime militar.
A partir de então a Ditadura Militar torna-se ainda mais violenta, ampliam-se os mecanismos e órgãos de repressão, as prisões ilegais, torturas e assassinatos são institucionalizadas sob o pretexto da Lei de Segurança Nacional. Várias lideranças políticas opositoras ao regime são obrigadas a deixar a pátria buscando exílio em outros países.
Entre as medidas imediatamente tomadas após a decretação do AI – 5, destacamos: o fechamento do Congresso Nacional e as Câmaras do Brasil inteiro por prazo indeterminado, com ressalva para a Câmara da Cidade de São Paulo; recesso dos mandatos de senadores, deputados e vereadores. Estes ainda continuaram a receber parte fixa de seus subsídios; autorizou, a critério do interesse nacional, a intervenção nos estados e municípios; tornou legal legislar por decreto-lei; estabelecia que o Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderia decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo; suspendeu a possibilidade de qualquer reunião de cunho político; recrudesceu a censura, determinando a censura prévia, que se estendia à música, ao teatro e ao cinema de assuntos de caráter político e de valores imorais;  suspendeu o habeas corpus para os chamados crimes políticos.
Como resposta imediata ao fechamento completo do regime militar com a decretação do AI-5, surgiu vários grupos guerrilheiros. As ações de guerrilha urbana se concentraram, sobretudo, entre 69 e 71, e entre 72 e 74, na região do Araguaia, ocorreu à única experiência de guerrilha rural no país.

3.4 – Da retomada das lutas ao “Fora Collor”

1978/1979 – Após dez tenebrosos anos em que praticamente não se pôde fazer oposição aberta ao regime militar (restando apenas às ações dos movimentos guerrilheiros), os setores sociais de esquerda e progressista começam a se reorganizarem, fazendo aparecer os primeiros sinais de esgotamento do regime militar.
Nos Primeiros dias de 1978 - começa o movimento pela formação do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA), pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. A Campanha pela anistia aglutinou vários setores da esquerda, tendo sido o primeiro movimento nacional e unificado contra a ditadura militar e representou a maior frente política de caráter progressista da história brasileira.
1/9/78 - Eleitos indiretamente os novos governadores.
13/10/78 - Revogação do AI-5 e outros atos.
17/10/78 - Promulgada a Emenda Constitucional nº 11, que revoga o AI-5 e outros atos institucionais do regime militar.
2 a 5 de novembro de 1978 - I Congresso Nacional pela Anistia - São Paulo. 
27/11/78 - Nova Lei de Segurança Nacional, que permitiu a redução das penas dos presos políticos.
Janeiro de 1979 - Parlamentares cassados em janeiro de 1969, depois da edição do AI-5, recuperam seus direitos políticos.
Maio de 79 - O senador Teotônio Vilela, presidente da Comissão Mista que analisava a questão da Anistia, inicia visitas a presos políticos em todo o país. Teotônio, que pertencia à Arena, partido do Governo, declarou, após essas visitas, não haver encontrado nenhum perigoso terrorista, mas apenas jovens idealistas, que haviam lutado por suas convicções.
29/5/79 - XXXI Encontro Nacional de Estudantes em Salvador - BA, para reconstrução da UNE, que decidiu pelo apoio à Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. É o começo da reativação das entidades estudantis. 
28/8/79 - Sancionada a Lei da Anistia (Lei Federal 6.683).
21 e 22/11/79 - Reforma partidária. Extintos Arena e MDB; começam às mobilizações para criação de novos partidos.
O final de década de 70 marca também o surgimento de uma Pastoral Juventude Orgânica por iniciativa da CNBB e incentivada por um novo modelo de Igreja Latino-americana que vinha sendo construído através das conclusões e encaminhamentos das Conferências dos Bispos da América Latina ocorridas em Medelín (1968) e Puebla (1979). Foram nascendo e se organizando as pastorais de juventude: PJ - Pastoral da Juventude, organiza-se a partir dos grupos nas comunidades; PJE - Pastoral da Juventude Estudantil, organiza-se a partir dos grupos nas escolas; PJMP - Pastoral da Juventude do Meio Popular, organiza-se a partir dos grupos do meio popular, tendo como referência a classe social; e PJR - Pastoral da Juventude Rural, organiza-se a partir dos grupos de jovens na zona rural.
1984 – Surge a Campanha pelas Diretas Já! – movimento da população, com participação fundamental dos estudantes e dos políticos progressistas, para a volta das eleições diretas para presidente no Brasil.
O congresso votou a favor das eleições indiretas e Tancredo Neves foi nomeado presidente para o próximo mandato (a partir de 1985). Ficou decidido que as próximas eleições, em 1989, seriam diretas.
Depois de 34 anos de eleições indiretas Fernando Collor de Melo é eleito presidente.
1992 - Acontecem sucessivas manifestações nas ruas contra a corrupção no governo dando início ao movimento de estudantes chamado Caras Pintadas, que resultou no Impeachment do então Presidente da República, Fernando Collor de Melo.

A partir do Impeachment de Collor, não se registra nenhuma outra manifestação de grande porte, realizada pela juventude brasileira.

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